segunda-feira, 9 de julho de 2012

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Damaris Moura

O QUE SERIA VIVER SEM LIBERDADE?

Sou naturalmente inundada por um entusiasmo incomum quando posso falar sobre liberdade – o que seria viver sem esta nota tônica a soar?

Por óbvio que tudo na vida tem data de nascimento e, sem maiores altercações, a Proclamação, pela ONU, da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 10 de Dezembro de 1948, resultou no nascimento de um gigante teórico; balizamento tradutor de aspirações insofismáveis, indiscutível tentame de arrimo a direitos, sobretudo, de tutela às liberdades, que extrapolam quaisquer tentativas de conceituação, inalienáveis, não obstante, com lágrimas escorrendo sobre estas palavras, uma pérola de grande preço no mais das vezes desprezada pelas nossas ditas democracias.

As liberdades individuais e coletivas aclamadas por este importante documento ditador de conduta para uma diversidade de relações planetárias, continua sendo aquele gigante que outrora suscitei, muito embora, adormecido e carecedor de vigilante despertamento para o bem maior de todas as nações.

Certamente o meu olhar sobre a proteção da liberdade religiosa ínsita nesse contexto documental, é o de ver, desde quando se proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que as conquistas tímidas podem se tornar desacanhadas vitórias na grande batalha para não se sentir mais o gosto amargo da intolerância, notadamente, a religiosa.

A vida tem a virtude de promover grandes encontros, valiosos encontros; isso fez com que eu me encontrasse com nobres interesses relacionados à defesa da liberdade religiosa, cuja defesa já me encantava e me envolvia.

Destaco o meu encontro com a ABLIRC, no ano de 2004, entidade que promove ardorosamente esse direito, unindo-me a ela para continuar a perseguir os ideais de elevação dessa liberdade a lugares nunca antes alcançados, em conjunto e sintonia com admiráveis, incansáveis, efervescentes defensores dessa causa, cujos nomes furto-me em declinar, não estivesse sendo tão fértil a sua geração, o que poderia penalizar alguns destes.

Profissionalmente também vivi encontros com verdadeiras aberrações públicas e privadas de manifesto cerceamento no trato ao sagrado direito do ser humano, fundamentado na faculdade do livre arbítrio, de professar livremente uma crença.

Não obstante a legislação pátria encabeçada pela CF (art. 5º., VIII), garantir o direito de se professar livremente uma crença sem ser privado de outros direitos por essa razão, tal dispositivo tem sido com frequência olvidado até mesmo pelos operadores do direito e da justiça, que armados de preconceitos não alcançam a sublime estação de aplicar imparcialmente o dispositivo legal em seu mais estrito aproveitamento e fiel interpretação.

Assim, referidas intolerâncias, por vezes, têm o seu nascedouro em um ato administrativo desarrazoado e obtém, lamentavelmente, em muitos casos, o aval do próprio judiciário para a sua consolidação.

Caso exemplar versa sobre a atual resistência dos órgãos públicos, instituições de ensino públicas e privadas em se submeter a imperativo legal constante na Lei 12.142/2005 que dispõe sobre a não ocorrência de concursos públicos e atividades acadêmicas em dia de guarda religioso, sagrado para os que assim professam, muito embora o maior agravante resida no fato de que mesmo o Judiciário quando instado a corrigir esta oposição, também tem se curvado à inobservância da referida Lei.

É preciso que haja uma compreensão profunda do direito fundamental que toda pessoa possui de não ser obrigada a agir contra a própria consciência e contra princípios religiosos. Segue-se daí, ser uma prática de ilícito, obrigar-se cidadãos a professar ou a rejeitar qualquer religião, ou impedir que alguém siga uma crença e permaneça em comunidade religiosa ou mesmo a abandone.

O direito de liberdade de crença, escusa de consciência, é exercício simultâneo com a prática inteira de cidadania.

Damaris Dias Moura Kuo Advogada no Estado de São Paulo
Secretária Geral da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-SP
Membro da Diretoria Executiva da ABLIRC

terça-feira, 21 de julho de 2009

Liberdade Religiosa, como entendê-la no século 21?

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” (Cecília Meireles, em Romanceira da Inconfidência)

Entender a liberdade religiosa é compartilhar da mesma atmosfera terrestre, sem o âmbito de invadir o espaço de outrem, ainda que em território alheio. Entendê-la faze-nos irmãos, cidadãos.

De acordo com essas estatísticas básicas sobre religião no mundo de cada 100 pessoas:
19 são muçulmanos (o islamismo é a religião que cresce mais rápido)
18 não tem religião
17 são católicos
17 são cristãos não-católicos (ortodoxos, anglicanos, protestantes, evangélicos, pentecostais),
14 são hindus,
06 são budistas

Já dizia o historiador britânico Chistopher Catherwood, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, “ as religiões são diferentes, mas todas elas exigem a mesma exclusividade”. Infelizmente, ainda hoje, século XXI vemos atrocidades, intolerância, preconceito, hostilidade em muitos lugares, ou seja; só para exemplificar os dez países onde cristianismo é de alto risco em primeiro está Coreia do Norte, os seguintes são Arábia Saudita, Irã, Afeganistão, Somália, Maldivas, Iêmen, Laos, Eriteia e Uzbequistão.

“Vimos crescer no fim do século XX, verdadeiros massacres em nome da fé, milhares de pessoas têm seus direitos violados e são impedidas, totalmente ou em parte, de praticar sua escolha religiosa com liberdade.

Alguns são perseguidos, torturados e mortos. Outros vivem em constante pressão do governo, da sociedade, da família. São pessoas obrigadas a superar seus limites para continuar vivas, para trabalhar ou ter acesso à escola, para realizar seus cultos sem impedimentos, exercer sua fé sem preocupar-se com a polícia.”

1 em cada 3 cristãos sofre perseguição
1 em cada 10 pessoas é um cristão perseguido

A maioria rejeita a conquista da modernidade, como democracia, a tolerância religiosa, a separação entre religião e estado, diz a pesquisadora inglesa Karen Armstrong, autora do livro “Em nome de Deus”.

Como ainda pautar as considerações da Declaração Universal dos Direitos Humanos?

Ora, quando se bem começa, metade já tem feito; embora não obrigatória legalmente, serviu como parâmetro para dois Tratados sobre direitos humanos da ONU, o Tratado Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Tratado Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos com total legalidade, bem como, ainda inspirando as mais altas cortes constitucionais contribuindo para a trajetória da história.

Não somente nesses tratados, mas há esperança quando buscamos a conscientização cívica. Certa vez, Madre Teresa de Calcutá disse: “Se você julgar as pessoas, não terá tempo para amá-las”.

Que a conscientização dos povos, suas crenças e as suas leis não fique presa a 60 anos sonhados, nem tampouco retroaja a tempos inquietantes da historia . Mas num futuro, espero não tão distante, mesmo não falando a mesma língua, tenhamos um triunfo em respeitar os dogmas e suas fronteiras.

fonte: Missão Portas Abertas - www.portasabertas.org.br
Revista Super Interessante edição nº 263

Selma Gouveia Delatore
Secretária na Cidade de São Paulo
Membro da Diretoria da ABLIRC

sábado, 7 de março de 2009

O princípio de Separação entre Estado e Igreja


No dia 16 de Maio de 2005 tive a honra e o privilégio de participar do III Fórum Paulista de Liberdade Religiosa e Cidadania. De lá pra cá ampliei minha militância na defesa da Liberdade Religiosa e me envolvi com as atividades da ABLIRC.
Neste momento em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passou a marca das 6 décadas de proclamação, me ponho a refletir e a resgatar do meu passado recente quanto tem avançado a defesa e a promoção da Liberdade e, embora tenhamos grandes desafios ainda pela frente.
No plano pessoal a missão me desafiou e meu trabalho de conclusão do Curso de Direito pela UNISA teve como tema LIMITAÇÕES À LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO BRASILEIRO. No plano institucional passei a integrar a diretoria executiva da ABLIRC – Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania. Também fui nomeado presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OABSP-Embu.
Paralelamente a essa imersão pessoal, desafiadora, tenho observado crescentes movimentos na mesma direção de defesa e promoção da Liberdade Religiosa. Instituições respeitadas como o Ministério Público do Estado de São Paulo têm debatido o assunto, assim como a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania e a Fundação Getulio Vargas, que promoveu no Rio de Janeiro, em Dezembro de 2007, um Seminário de Combate à Intolerância e à Discriminação, o qual contou com vários debates sobre Liberdade Religiosa, tendo inclusive como palestrantes o Dr. Hédio Silva Jr e o Professor Samuel Luz , ambos defensores engajados da Liberdade Religiosa e membros da diretoria e dos Conselhos da ABLIRC.
Enfim, peço licença aos leitores para resgatar o discurso que proferi naquele 16 de Maio de 2005 na Assembléia Legislativa de São Paulo, como um marco da aproximação dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de quantos desafios temos ainda pela frente.
Eis a fala que resgato:
Boa noite a todos os presentes, boa noite aos Srs. Deputados Campos Machado e Marcelo Bueno, boa noite ao Professor Samuel Luz, Presidente da ABLIRC, boa noite ao Dr. Sidney Dutra, magnífico Reitor da Universidade de Santo Amaro, onde tive a honra de me graduar em Direito, boa noite ao Pastor Siloé Almeira, representante da IRLA, boa noite Pastor Domingos Souza, neste evento representando as organizações religiosas, boa noite a todas as autoridades políticas e religiosas presentes, boa noite a todos os demais participantes.
Sinto-me honrado em ministrar neste III Fórum Paulista de Liberdade Religiosa e Cidadania com o tema o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Esse princípio, na verdade, é uma conquista dos religiosos. Para se ter uma idéia, até a Constituição Federal de 1824 o Brasil não permitia outra religião se não a confessada pelo Estado. Em 1824, com esta Constituição, foram permitidos os cultos apenas domésticos de outras religiões que não a que o Estado tinha vínculo.
Em 1891 temos consagrado na Constituição o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Estado e Igreja passam a ser então duas instituições autônomas, sem nenhum vínculo ou relação. Temos, portanto, esse princípio consagrado em todas as outras Constituições a partir da Proclamação da República.
Em 1988, a atual Constituição reafirma a separação entre a Igreja e o Estado, que diz em seu Art. 19: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou Igrejas subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público.”
Vemos nesse princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado a proibição de todos os entes da Federação estabelecer cultos ou igrejas, subvencionar, ou seja, patrocinar de forma pecuniária, embaraçar-lhes o funcionamento. Daí, então, surge o princípio da liberdade religiosa, com a liberdade de culto, crença e manter com os seus líderes relações de dependência ou aliança. Ou seja, hoje a Igreja não precisa estar alienada, embaraçada, dependente de autoridades políticas para que tenha o seu direito de liberdade religiosa garantida, porque isso foi uma conquista, muitas pessoas lutaram durante anos para consagrar o princípio da separação entre a Igreja e o Estado.
Mas vejam, nobres companheiros, mesmo com esse princípio consagrado, desde 1891, já por seis constituições do nosso país, há mais 100 anos, ainda temos paradoxos. Ainda hoje o princípio da separação entre Igreja e Estado, concomitantemente com o princípio da liberdade religiosa por vezes não é respeitado na acepção máxima do termo. Todos os participantes receberam o “Liberdade religiosa em foco”, no qual, num artigo redigido por nós, vemos o que ocorreu em uma cidade do interior de Minas Gerais: a flagrante afronta ao princípio da liberdade religiosa e ao princípio da separação entre a Igreja e o Estado.
Hoje, mesmo depois de 100 anos dessa consagração, continua-se desrespeitando esses princípios conquistados por nós, conquistados por aqueles religiosos que lutam pela sua liberdade. Isso é um paradoxo, mas a Igreja Adventista vem lutando durante muitos anos para ter respeitado seu direito de manifestar a sua crença, de não ter a sua crença afrontada no que tange à guarda do sábado. É um paradoxo. Mesmo com essas conquistas, ainda temos afrontas.
Gostaria de concluir essas palavras com uma frase de um Deputado desta Casa, José Bittencourt, Pastor da Igreja Assembléia de Deus, da qual eu também sou membro, quando em uma de suas prédicas em nossa convenção disse: “Não lute por posição, não lute por status, lute sempre para fazer valer os seus direitos e lute sempre para garantir os seus princípios.” Muito obrigado.
Embora expresso há algum tempo, esse é o meu olhar sobre Liberdade Religiosa nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É uma honra participar dessa celebração.

Liberdade, palavra forte

Liberdade é uma palavra forte, que expressa um significado grandioso. Liberdade é a essência da vida humana. É um atributo que representa o respeito do Criador por nós.

Como educadora tenho participado dos fóruns, promovidos pela ABLIRC, em defesa da Liberdade Religiosa. Em 2006 o Coral Infantil do Instituto Educacional Guilherme Miller participou de um grande evento no Memorial da América Latina. Naquela ocasião percebi que a liberdade religiosa tem um caráter todo especial, porque além de tratar desse atributo maravilhoso, envolve elementos sagrados que se alojam nos recôndidos mais profundos das pessoas.

Sempre pensei que a liberdade religiosa envolvia o meu direito de professar minha crença e de lidar com o sagrado de acordo com minha consciência. Nunca, até aquele momento especial, tinha pensado na liberdade religiosa na perspectiva daquelas pessoas que têm crenças totalmente diferente da minha. Como foi gratificante ver ali naquele I Fórum Brasileiro de Liberdade Religiosa e Cidadania, líderes religiosos judeus, muçulmanos, budistas, evangélicos, de religiões de matrizes africanas e de outros segmentos que nem me atrevo a citar para não correr o risco de cometer um equívoco.

Ah! Como aprendi. O respeito pelas minhas crenças começa quando me disponho a respeitar a crença do outro, quão estranha ela possa ser para mim. Aprendi que doutrina, teologia nós aprendemos nos ambientes restritos de nossas comunidades religiosas e de nossos lares, mas o direito, sim a defesa do direito de todos, defendemos diante de todos, na sociedade, por isso temos mantido a participação de nossos estudantes nos fóruns de liberdade religiosa e cidadania. Por isso apoiamos iniciativas como essas da ABLIRC.

Entender a liberdade apenas da nossa perspectiva é fácil, ou melhor, é simples. Entender a liberdade da perspectiva do outro não é tão fácil, nem simples, mas também não é tão complicado. É que envolve um exercício muito difícil para nós que vivemos numa sociedade marcada pelo egoísmo e pelo isolamento. Que contradição, os meios de comunicação se desenvolveram para que pudéssemos aproveitar melhor nosso tempo e desfrutar de nossos relacionamentos, mas o que tem acontecido é que ficamos mais distantes uns dos outros. Não conhecemos nossos vizinhos. Temos conceitos distorcidos sobre muitas das instituições de nossa cidade, principalmente das religiosas. Também aprendi que isto é preconceito. Hoje sei que ainda que eu não compreenda os fundamentos da religião de um semelhante meu. Ainda que haja distâncias imensas entre a minha crença e a do meu vizinho. Ainda que discordemos sobre divindade, espiritualidade, teologia, filosofia e outras coisas mais, temos que absorver a grande lição: a essência da vida em sociedade é o respeito. É a regra áurea: “Não fazer aos outros o que gostaria que não fosse feito a nós”.

No dia 10 de dezembro de 2008 o Coral do Instituto Educacional Guilherme Miller realizou um grande musical. Era o dia do aniversário de 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Estávamos perto do natal. Foi uma grande celebração e a consolidação no meu coração de uma atitude. Respeito. Absorvi a grande lição e aprendi que ela se traduz em respeito. Hoje entendo o que o Mestre dos mestres quis dizer quando nos recomendou que devemos “amar nosso próximo como a nós mesmo”. O Mestre não especificou. Amar quem pensa como nós. Quem crê como nós. Ele simplesmente recomendou que devemos amar o próximo. Amor se traduz em respeito. Esse é o meu olhar sobre Liberdade Religiosa nos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pra mim está sendo uma grande honra e um aprendizado desafiador participar desse projeto.

Sandra Pratarotti Rengifo
Educadora em Diadema-SP
Mantenedora do Instituto Educacional Guilherme Miller

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Hédio Silva Jr.


Liberdade Religiosa, questão de cidadania

Assim como a liberdade de Imprensa é fundamental na construção de uma sociedade justa e democrática, a Liberdade Religiosa deve ser tratada como um dos valores mais caros à dignidade da pessoa humana.

Vivemos em um estado laico e o princípio da separação com a Igreja, explícito no artigo 19 da Constituição, veda aos poderes criar religiões ou seitas, construir templos ou igrejas, subvencionar cultos de função religiosa, restringir ou influenciar a fé de um indivíduo.

O direito à liberdade religiosa saiu do papel e passou a figurar na agenda brasileira a partir da publicação da Declaração para Eliminação de todas as formas de Intolerância e de Discriminação Baseada em Religião ou Crença, que foi proclamada no intervalo dos 60 anos que estamos comemorando.

Em um Estado democrático, o cidadão deve assumir sua religiosidade sem restrições, da mesma forma que aceita conviver pacificamente com aqueles que preferem professar outra religião ou não ter crença alguma.

É tempo de reflexão. Comparando com a existência dos seres humanos, 60 anos de vida a celebração da maturidade. Nessa fase as pessoas costumam olhar olhar para trás e a perguntarem introspectivamente: que legado vou deixar para as próximas gerações? O que construí até aqui com a minha existência?

Diante de tal raciocínio, qual o legado que a aniversariante deixou para a humanidade, sobretudo no que diz respeito à liberdade religiosa?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 18, afirma categoricamente que "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião" (...), mas tem esse artigo artigo alcançado efetividade?

É fato conhecido que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem influenciado o texto constitucional de muitos países. No Brasil, o artigo 5º da Constituição de 88, nos incisos VI e VIII impede que o poder público elabore leis que possam ferir princípios presentes na DUDH, ao mesmo tempo em que não permite ao Estado fomentar ameaças às garantias fundamentais:

  • Liberdade de Consciência: direito de ser ateu, de não professar crença ou religião ou mesmo de não ser obrigado a pertencer a qualquer tipo de culto.

  • Liberdade de Crença: faculdade que o cidadão tem para aderir e mudar de religião ou seita, quando e como achar necessário, sem constrangimento.

  • Liberdade de Culto: assegura-se o direito de culto a qualquer organização religiosa (sem restrições a templos, paredes ou ruas), conforme garante o inciso XVI do referido artigo.

A intolerância religiosa faz muitas vítimas e vários grupos religiosos sofrem bastante em função disto. Os afrodescendentes, os judeus, os adventistas do sétimo dia, os muçulmanos, são segmentos que convivem com a discriminação e labutam com o preconceito, quer seja pela natureza de seus rituais, ou pela observação de um dia de guarda religiosa diferente da maioria. O flagrante desrespeito às leis se dá em todo o país, onde sacerdotisas são impedidas de praticar seus cultos, algumas presas e sem direitos constitucionais resguardados, como o de celebrar casamentos, por exemplo. Em virtude disso, o dia 21 de janeiro foi incorporado ao calendário oficial no Brasil como Dia de Combate à Intolerância Religiosa, pois nesse dia, no ano 2000, uma sacerdotiza faleceu em decorrência de ver sua casa de culto execrada e sendo violada por aderentes de culto religioso diferente. Esse tipo de discriminação não é raro em nosso país. Trata-se de uma situação que demonstra que há omissão onde deveria haver proteção, pois, embora o Estado não deva e nem possa promover o fato religioso, ele tem a obrigação de protegê-lo.

Outro ponto que constatamos no Brasil é que legislação que contempla isenção de tributos para templos religiosos é a mesma não aplicada pelos governantes aos locais sagrados de matrizes africanas. A mesma não aplicada pelas autoridades, que permitem símbolos religiosos em locais públicos, na contramão da lei.

Segundo a ONU – cerca de 75% dos conflitos bélicos no mundo têm motivação religiosa, cultural ou de diversidade. Governantes xenófobos tentam homogeneizar crenças em territórios que consideram expansão. A história demonstra que as três grandes religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo conviveram pacificamente por séculos. O problema é que, mesmo em menor número, os intolerantes potencializam o preconceito, o conflito e a desordem social através dos tempos.

Para complicar a matéria, ainda se confunde evangelização com liberdade religiosa. Se a primeira cumpre função de partilhar a mensagem de salvação, a segunda oferece até mesmo o direito de não compartilhar fé alguma, de não ser incomodado com informações a respeito de outras religiões. Com a Organização da Sociedade Civil em torno da defesa da Liberdade Religiosa, de Crença e de Consciência através de instituições como ABLIRC, INTECAB, CEERT, ATEA, registramos um avanço significativo.

A militância de incansáveis lideranças no cenário social tem influenciado importantes instituições, como é o caso da OAB/SP, que instituiu a primeira Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, no Brasil; como é também o caso da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, que instituiu o Fórum Inter-religioso por uma cultura de paz e liberdade de crença; como é o caso da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, que instituiu a 1ª Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade Religiosa; como é o caso da ABLIRC, que instituiu o Fórum Brasileiro de Liberdade Religiosa e Cidadania.

O Brasil está saindo do anonimato e assumindo a vanguarda de um movimento que se propõe alcançar abrangência cada vez maior nos próximos anos. Acadêmicos de Direito têm se inspirado e desenvolvido monografias sobre Liberdade Religiosa; as organizações religiosas e seus membros individualmente estão cada dia mais cientes de seus direitos. Tudo isto está abrindo o cenário para uma discussão cada vez mais ampla sobre o tema e acenando com a possibilidade de encaminhamento ao Congresso Nacional de uma ampla Lei Nacional sobre Liberdade Religiosa, de Crença e de Consciência, contemplando também outros segmentos igualmente discriminados. A mobilização ordeira e racional iniciada com a ABLIRC tem colocado o Brasil na agenda mundial das discussões em torno da tolerância religiosa. Precisamos todos juntos repensar nossas posições e assumir uma legítima atitude diante da sociedade, pois Liberdade Religiosa é, de fato e de Direito, uma questão de cidadania.

Hédio Silva Jr

Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-SP

Diretor Executivo do CEERT

Consultor junto à FEBRABAN

Conselheiro Seccional da OAB-SP

Conselheiro da ABLIRC

Foi Secretário de Justiça de São Paulo na gestão Geraldo Alckmin